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Foto do escritorCésar Maximiano

Aristóteles e o Ativismo Judicial

Por que o manto aristotélico não serve ao Brasil


Muitos juristas baseiam-se no senso realista de Aristóteles para apontar o abismo existente entre a moral e o direito, e, assim, sustentar a atual ação, verdadeiramente legiferante, dos magistrados brasileiros. Todavia, há, aí, um grande equívoco estrutural, senão vejamos.


Preliminarmente, Aristóteles, ao tratar da gênese do direito, aponta que o direito, ao invés de ser um conjunto de regras a priori, nada mais é do que a adequação [do justo] a circunstâncias moventes.


Por isso, para Aristóteles, há pouca certeza no direito, de modo que não se trata de uma ciência (episteme), como o é a matemática, dotada de princípios exatos. O direito é objeto de uma investigação que não se finda, e se realiza pela dialética, com base em observações.


Embora exista um justo natural, diz o pensador, as regras estão sempre sujeitas à mudança. Segundo ele, "o fogo arde da mesma maneira na Pérsia e na Grécia, mas o direito é sempre variável".


Daí que o justo, segundo a natureza, não está circunscrito a textos. E, de fato, o primeiro passo para a elaboração do direito é a observação dessa natureza. Este deve (ria) ser o trabalho do legislador por dois motivos: i) é mais fácil encontrar alguns legisladores sábios do que uma multiplicidade de juízes com tal qualidade; ii) é preciso sempre desconfiar da imparcialidade dos juízes. Este último motivo se dá pelo fato de que o legislador está despido dos desvios da simpatia ou do temor pela causa, posto que distante da realidade. Por isso, a lei deve (ria) sempre ser "a inteligência sem paixão".


As leis escritas por sábios, então, têm grande valor de justiça, pois encontram-se ancoradas pelo direito natural (díkaikon physikón) - tanto mais próximo dele, quanto maior o valor de justiça.

Já o juiz, quando da aplicação da lei ao caso concreto, não está trabalhando com inteligência ou sabedoria, e suas sentenças são obra de sua vontade. Assim, as decisões são nada mais que medidas arbitrárias, não passíveis de justificação racional - ideia que se amolda perfeitamente às inúmeras decisões ignóbeis que estão a rechear o nosso Poder Judiciário.


Distante do justo natural encontra-se a decisão estatal (díkaikon nomikón). Enquanto aquele tem um valor universal, esta não é válida em todo lugar, mas somente onde se estende o poder do aplicador da lei. E é o que se vê hoje - situação levada ao extremo - onde não é equivocado afirmar que há um direito para cada comarca ou jurisdição.


Acontece que a combinação entre a liberdade da díkaikon nomikón e a desnecessidade de justificação racional é explosiva, pois o justo positivo, ou seja, aquilo dito como justo por um juiz, não é bastante para a a condução da polis: não basta fundar a força obrigatória das leis na arma dos policiais, nem no poder do juiz, pois todos se curvam perante o direito natural, mas só reconhecem o valor das leis positivas e das decisões judiciais se todas forem estabelecidas no âmbito do justo natural.


Inobstante tais detecções, mesmo sob a égide do positivismo jurídico, o juiz não cessa de se afastar da lei, sempre a pretexto de interpretá-la. De fato, não se encontra na doutrina aristotélica a soberania absoluta da lei, tal qual existe nas filosofias contratualistas.



E eis aqui o grande equívoco da utilização da doutrina de Aristóteles como escusas ao absolutismo judicial que vivemos no Brasil: o início do preâmbulo da Constituição Federal brasileira, a Carta Política que organiza nosso Estado e delimita nosso direito, já condena em absoluto qualquer tentativa de se assegurar a filosofia aristótélica em nosso Estado de Direito:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático (...)

A Constituição Federal brasileira, e, por conseguinte, o direito brasileiro, foram fundados pela reunião dos representantes do povo brasileiro. Implica dizer que os representantes do povo pactuaram direitos, deveres e organização estatal. Trata-se, então, de um direito baseado no contratualismo, que é, logo em seguida, reafirmado pela própria Carta Política brasileira:

Art. 1º. (...)
Parágrafo único. Todo poder emana do povo (...)

É o povo que, mediante o pacto político, abre mão de seu poder, transferindo-o para os seus representantes e governantes, sendo que aqueles consubstanciam a vontade geral em dispositivos legais, e estes, cumprindo tais vontades, conduzem a nação.

Não há, portanto, escusas cabíveis aos brutos juízes, casta de oligargas, que vivem a estuprar a vox populi, pois, dado o fato de nossa Constituição Federal ser de caráter contratualista, o juiz deve (ria) respeito à Lei.


Deveras, a decisão política brasileira, pese não respeitada, é acertada, pois os magistrados, em sua maioria esmagadora, mostram-se totalmente inaptos para sequer tangenciarem o díkaikon physikón, o direito natural. E, se incapazes disso e ao mesmo tempo livres para se afastarem do díkaikon nomikón, que é o direito positivado, estamos à mercê, como diria Bruno Aguiar Santos, de uma ideologia jurídica fadada ao fracasso do arbítrio.



REFERÊNCIAS


KENNY, Anthony. Uma nova história da filosofia ocidental: filosofia antiga - volume I. São Paulo: Loyola, 2008.


SANTOS, Bruno Aguiar. Neoconstitucionalismo: a ideologia fadada ao fracasso do arbítrio. Salvador: Juspodivm, 2018.


VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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