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Foto do escritorCésar Maximiano

Juízes Públicos hermeneutas?

Com o que se preocupa o Poder Judiciário.


Segundo Hegel, "Conceito" é movimento. No exercício dialético hegeliano, parte-se de um conceito preexistente para a objetividade, numa tentativa de subsunção do arquétipo ao mundo real. A objetividade, contudo, nega o conceito preexistente, apresentando-lhe uma tese contrária (antítese). Essa negação provoca o retorno do conceito para si mesmo, mas modificado.

Deste modo, assim como o viajante não é mais o mesmo depois da viagem, os conceitos do hermeneuta jamais serão cristalizados.


E o que temos funcionando como juízes em nossa sociedade atual? Adianto que a figura do juiz médio não representa, nem ao longe, a figura de um hermeneuta. Juízes, hoje, são nada mais que preconceituosos técnicos do Direito, que, para lhes piorar a imagem, insistem em desobedecer até a técnica que lhes garantiu a "vaga de ouro".


Mas qual é a razão de o Judiciário ter se transformado neste ser abjeto, contrário à figura de sabedoria que até hoje permeia o imaginário da sociedade? Eu, particularmente, acredito em várias vertentes para tanto, tais como a péssima leitura das correntes filosóficas do séc. XX, a descarada atuação para manutenção do "status quo", e, o que será tema de hoje, a substituição de um modelo filosófico por um modelo produtivo.


Ao analisarmos o "Plano Estratégico do Poder Judiciário Nacional até 2026" (link aqui), aprovado pelo CNJ, não encontramos absolutamente nada relacionado à hermenêutica, tampouco à técnica decisional. O "Plano" coloca como meta número um "o julgamento de mais processos que os distribuídos"; a meta 2 é "o julgamento prioritário de processos mais antigos" - não há preocupação com a qualidade, mas sim com a "linha de produção" que se tornou o Poder Judiciário.


Henry Ford, grande industriário do começo do século passado, fundador da Ford Motor Company, escreveu um livro chamado "Minha filosofia e indústria", onde se refere aos sistemas de produção em massa e gestão, filosofia que ficou conhecida como "fordismo".


O "fordismo" revolucionou a indústria do início do séc. XX, pois demonstrou que, a partir de linhas de montagem semiautomáticas, o processo produtivo poderia ser racionalizado, e o custo para a fabricação era reduzido, resultando no acúmulo de capital.


Quando percebemos a atuação do Poder Judiciário brasileiro atualmente, resta evidente que ele se tornou uma linha de produção dessas. Tomo como exemplo o Processo Penal: o Ministério Público mui, mas mui raramente deixa de ofertar denúncia (até denúncia sem representação, em ação penal pública condicionada, já pude ver); o juiz sequer lê: simplesmente a aceita. E assim se dá no desenrolar de todo o processo, já padronizado, para a construção de uma condenação penal. O advogado é mera peça protocolar: tem que estar lá por exigência legal, mas quanto menos agir, menos emperra o sistema produtivo - "advogado bom é advogado 'morto' (inerte)".

O que deve ser salientado, contudo, é que o "fordismo" do início dos anos 1900, ao reduzir o custo da produção, barateou os artigos produzidos, podendo assim ofertá-lo a um maior número de pessoas. Todavia, de se notar que a diminuição dos preços veio acompanhada pela queda na qualidade dos produtos fabricados.


Tal e qual o Judiciário! Quão horrendas são as decisões atuais, que nada mais trazem que a heurística do julgador? Quão horrendas são as decisões atuais, que decidem sem sequer refutar logicamente as teses que lhe foram contrárias?


Será que a queda abrupta de qualidade é realmente necessária para que o Poder Judiciário torne-se mais acessível à população? Talvez sim.


O excesso de processos que abarrotam o Judiciário é uma realidade evidente. Os juízes, como bem se pôde ver no Plano Estratégico do CNJ, têm metas a serem cumpridas, e essas metas não abarcam a qualidade do "produto", mas sim a quantidade dele. Por determinação superior, os juízes transformaram-se em "peões" de uma linha produtiva: se pensarem muito, ou seja, se utilizarem-se da necessária hermenêutica, a linha de produção emperra.


Deste modo, os juízes adotam determinadas heurísticas, que nada mais são que "gatilhos mentais", do tipo "se A, então B" - gatilhos necessários para que cumpram seu papel de julgar sem emperrar a linha produtiva.


Portanto, para a maioria dos juízes pouco importa o que se traz ao processo, pois já não há mais espaço para a hermenêutica. O pré-conceito do juiz não tem tempo hábil para fazer o giro hermenêutico e se modificar, e a edição de súmulas, mormente as vinculantes, é a irrefutável prova de que o sistema definitivamente não quer juízes pensantes, senão "peões" de uma linha produtiva.


E qual é a solução?


Bem, quem tem dinheiro paga um convênio médico; quem tem mais dinheiro ainda "hospeda-se" no Hospital Israelista Albert Einstein, ou no Sírio-Libanês, quando doente. De fato, depender do Sistema Único de Saúde (SUS) é brincar com a sorte.


Do mesmo modo, grandes empresas já não levam ao Poder Judiciário suas lides derivadas de contratos: pagam um árbitro, ou um corpo de árbitros, verdadeiros "juízes privados", para que, com a parcimônia e a hermenêutica necessárias, resolvam a discussão.


A questão, no meu sentir, não é mais o que fazer para que o Poder Judiciário mude, pois, tal qual o SUS, não mudará. A questão agora é: como tornar o juízo arbitral cada vez mais abrangente e democrático?

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