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No que erraram os bolsonaristas?



O mundo assistiu perplexo à invasão das dependências dos Três Poderes, neste último dia 08 de janeiro de 2023, pelos autodenominados “patriotas”. Os brasileiros mais antenados, contudo, não se surpreenderam: sempre se tratou de bando efetivamente preocupante, constituído de pessoas que marcham em frente a quarteis, entoam cânticos de caserna e pedem intervenção militar.


Não pretendo tecer comentários acerca dos malefícios dessa ideologia que acabou seduzindo uma boa parte do eleitorado brasileiro. Em verdade, pretendo falar sobre o que a invasão aos Três Poderes representou para mim.


Sou um amante da democracia. Mas não de qualquer democracia; não do que as instituições brasileiras têm nominado de democracia. Sou amante da democracia participativa, ou seja, daquela democracia que, com a participação popular (seja de modo direto, seja de modo indireto), estabelece as normas a serem seguidas por todos: cidadãos e servidores, servidores dessa ficção jurídica que criamos para representar aquilo que, segundo Aristóteles, nos caracteriza humanos (que é o ser político, o viver e se realizar em sociedade), servidores dessa ficção jurídica que chamamos de Estado.


Um dia antes dos ataques, recebi a informação de que havia saído a sentença penal condenatória de um cliente meu. Réu confesso do crime de tráfico, a sua condenação já era esperada. Contudo, nós, advogados de defesa, questionamos todos os policiais civis que investigaram o meu cliente, inclusive o Delegado de Polícia, e todos, em uníssono, afirmaram que investigavam o meu cliente por outro crime que não o de tráfico, e que nunca o viram usar o seu veículo para praticar nenhum crime. Segundo eles, nada de ilícito foi encontrado dentro do veículo, que se encontrava estacionado na residência onde os policiais encontraram as drogas. “Senhor policial, o senhor se recorda se havia ao menos cheiro de droga dentro do carro? Porque maconha tem um cheiro caracteristicamente forte”. A resposta de todos foi negativa.


Por que a pergunta? Porque o carro foi apreendido, e desde então está sendo usado “pela investigação” da polícia civil sorocabana. E por que o carro foi apreendido? Porque ele SUPOSTAMENTE é relacionado ao crime de tráfico. E essa suposição baseia-se em uma única informação: o veículo estava estacionado na garagem da residência onde encontraram, fortuitamente, certa quantidade de drogas.

A Lei 11.343/06 determina que o juiz, de ofício, ou a requerimento desse órgão imbecilizado chamado Ministério Público, ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, que pode achar o veículo interessante para uso particular (já experimentei o dissabor de ver esse tipo de coisa quando fui policial), havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão de bens móveis e imóveis, ou valores, ocorrendo o perdimento do bem caso reste comprovado que é produto do tráfico, ou então que era utilizado para a prática do crime.


Bem, mesmo diante de todas as negativas dos agentes de investigação e da própria autoridade policial, um dos juízes criminais de Sorocaba decretou o perdimento do veículo para o Estado. Sim, contrariando a lei, ou subvertendo os próprios fatos - não restou claro na sentença, que, para não quebrar o protocolo, foi pessimamente motivada -, o juiz fez o papel de um Estado-Juiz ladrão. O juiz, representando esse ladrão, “roubou” o meu cliente. A “vis absoluta” que o crime de roubo demanda está na violência institucional de um Estado que descumpre a lei para surrupiar bens particulares.


E o que isso tem a ver com as invasões às instalações dos Três Poderes? Quase tudo. Pessoas execráveis como esse juiz estão por quase todo o Poder Judiciário. É por isso que as grandes empresas instaladas no Brasil sequer passam perto desse Poder que fez questão de se colocar bem distante da Justiça: cientes de que se trata de um bando de desvairados intitulados juízes, as grandes empresas firmam seus contratos com cláusula de eleição de foro. Isso quer dizer que eles preferem pagar um juízo privado para dirimir seus problemas do que levar a questão para um Poder lento, ineficiente e completamente inseguro sob o ponto de vista jurídico.


Infelizmente, os bolsonaristas criticam o STF e o TSE porque esses Tribunais estiveram, nos últimos tempos, de marcação serrada contra o movimento bolsonarista. Mas esses mesmos bolsonaristas aplaudiriam a atitude injusta do juiz sorocabano, por exemplo. Eles não percebem que se trata do mesmíssimo problema: pessoas idiotas ocupando cargos de excepcional relevo jurídico; idiotas que vão fazer o que querem, nem que para isso tenham que transgredir as leis e a Constituição; nem que para isso tenham que INVENTAR fatos que não ocorreram.


Como lido com essa corja de patifes togados cotidianamente, confesso que enxerguei a destruição do STF com outros olhos: só foi absurda na medida em que a motivação não foi a correta. Afinal, se um Poder da República, cujos cargos não são ocupados pela escolha popular, não respeita a vontade do povo, que é consubstanciada nas leis que os legisladores, escolhidos pelo povo, produzem, é correto afirmar que se trata de um Poder democrático? É correto afirmar que se trata de um Poder republicano?


Se o povo tivesse quebrado o STF pelos Wellingtons e Maicons da vida, eu não só aplaudiria, como provavelmente estaria lá, ajudando a estilhaçar cada centímetro daquele lugar que deveria ser ocupado por Diké, a deusa da Justiça, mas que é ocupado pela mais asquerosa estirpe humana: homens e mulheres que, em detrimento de qualquer ideal deôntico de Justiça, entronizaram as suas próprias vontades.


É aí que se torna perceptível a maior das preocupações das autoridades constituídas: por mais que o povo deixe de ser pacífico, enquanto ele estiver sob o jugo da ignorância, do desconhecimento (como estavam os bolsonaristas), se agir, ele agirá equivocadamente, e, ao agir equivocadamente, terá suas ações deslegitimadas pelo erro da motivação. Enquanto o povo não fizer o que deve ser feito pela motivação correta, suas atitudes serão tão execráveis quanto à do juiz sorocabano, pois ambas padecem do mesmo equívoco: não se baseiam nos universais lógico-jurídicos; em outras palavras, não são movidas pelo correto ideal de Justiça, que é dar a cada um o que é seu por direito, a partir do caso concreto.


Concluo expondo como enxerguei a invasão ao STF: correta na forma, porque parece não haver outro modo de refrear o arvoramento do ativismo judicial que não uma revolução, um verdadeiro restart de todo o Poder Judiciário; mas completamente equivocada no telos, na finalidade, no conteúdo.


Por ora, os Poderes constituídos podem respirar aliviados: nosso povo ainda está longe de enxergar quão funesto é um Poder Judiciário alheio à Justiça. Enquanto esse esclarecimento não ocorrer, não haverá ação legítima; e, sem ação legítima, não há revolução, senão golpe.

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