O termo tortura é derivado do latim tortura, que é o ato de torcer. Assim como torcemos a roupa molhada para retirar-lhe o líquido, o torturador "torce" o torturado para dele lhe retirar alguma coisa. Essa é a definição da espécie de tortura chamada de tortura confissão ou tortura prova, onde a finalidade específica do agente é obter confissão, informação ou declaração.
A tortura, portanto, é uma violência física e/ou psicológica que agride frontalmente o coração do direito contemporâneo, que é a dignidade da pessoa humana. Não é por menos, portanto, que os sistemas jurídicos atuais condenam com veemência a prática da tortura: em nossa Constituição Federal, por exemplo, há o mandamento do constituinte para que o nosso sistema a considere crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, inciso XLIII).
E hoje pela manhã, lendo acerca das congruências que existem entre o Direito e a Filosofia, concluí que há duas similaridades. A primeira é que a Filosofia, assim como o Direito, chegam a conclusões que jamais poderão ser cientificamente comprovadas, e isso é resultado inexorável do processo dialético. A segunda, que toca ao tema deste artigo, é que o Direito, através da jurisprudência, ou seja, da opinião de jurisconsultos, tende à verdade, assim como a Filosofia. E foi aqui, neste exato ponto de minha introspecção, que, rememorando os diversos casos em que atuei e atuo como Advogado Criminalista, compreendi que o Poder Judiciário brasileiro há muito abandonou o Direito. Para além disso, o Poder Judiciário brasileiro comete verdadeira tortura-confissão. Pretendo explicar.
O artigo 65 do Código Penal trata das circunstâncias atenuantes que devem ser consideradas na segunda fase de dosimetria da pena. Uma delas, constante da alínea "d" daquele artigo, afirma que a confissão espontânea do réu acerca da autoria do crime, perante qualquer autoridade, é uma circunstância que sempre atenua a pena.
Eu me lembro de diversos casos em que o réu confessou a prática delitiva, mas, para além, falou o que realmente aconteceu. Citarei dois exemplos: um jovem maior de idade que manteve relações com uma menor de quatorze anos, pensando, contudo, que esta era maior de quatorze; um jovem que traficava e que fora pego com pouca quantidade de drogas no bolso, e fora, então, forjado em maior quantidade pelos agentes da segurança pública. Em ambos os casos, o réus falaram a verdade, desde o início: réus confessos, portanto.
O que os juízes, em ambos os casos, fizeram? Simplesmente desconsideraram a circunstância atenuante de confissão espontânea unicamente porque os réus falaram a verdade. Para esses ignóbeis de toga, a confissão só é confissão se o réu literalmente "assinar embaixo" das palavras dos agentes que efetuaram a prisão, pouco importando, portanto, o que de fato ocorreu.
Gostaria de citar mais um exemplo, desta feita avassalador.
A execução penal no Brasil, dado o meramente teórico caráter pedagógico da pena, é uma execução progressiva, ou seja, o apenado começa em regime mais gravoso e tende a progredir para o regime menos gravoso (do fechado para o semiaberto, e do semiaberto para o aberto), até restabelecer o convívio pacífico no seio da sociedade.
Para obter direito à progressão de regime, é necessário que o condenado cumpra o requisito objetivo, que é o tempo de pena no regime mais gravoso, e os subjetivos, que são, de regra, a boa conduta carcerária e a avaliação social. Acontece que a avaliação social para a progressão ao regime aberto termina com uma pergunta crucial: "você se arrepende do crime que cometeu?". Todo e qualquer apenado que responder que não cometeu o crime tem a avaliação social considerada negativa, e se torna inapto para progredir ao regime aberto.
Soube por uma colega que milita na Execução Penal que existiu, em Sorocaba, um caso icônico: um senhor, preso por um crime que, segundo ele, não fora por ele cometido, que, pelo segundo ano consecutivo, tinha seu pedido de progressão ao regime aberto negado pelo único fato de ele se negar a assumir o cometimento do crime.
Em resumo: o apenado só progride ao regime aberto se chancelar a pena a ele imposta como correta; o apenado só obtém o direito à progressão se afirmar que o membro do Parquet que o denunciou agiu corretamente; que o Juiz que o condenou judicou corretamente; que o Estado que o puniu cumpriu o Direito.
É aqui que o início do texto, que trata da tortura, e todo o seu desenvolvimento, se encontram: o sistema judicial brasileiro é um verdadeiro torturador! Não sei se juízes e promotores estão de fato preocupados com alguma coisa, mas a certeza é que com a obtenção da verdade é que não estão. O Estado, o mesmo Estado que condena a prática da tortura, pratica-a descarada e desmedidamente, dia a dia, dentro dos fóruns e tribunais, "torcendo" os réus e apenados, para deles extrair informações que validem os abusos desse apodrecido sistema.
As instituições de Justiça do país são a irrefutável prova de que de nada adiantam leis garantistas em um país cuja mentalidade é punitivista, arbitrária e cruel.
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