Quando o Judiciário deriva normas que ele mesmo descumpre
Entendo que o Judiciário como um todo deveria tomar mais cuidado ao derivar regras da lei natural.
Neste caso que trago à discussão ( AgRg no HC 699.653/SP ), o STJ, ao analisar uma sentença, que adjetivo de "frankensteiniana", pois fez um recorte de leis distintas em um processo de execução penal, afirmou o seguinte:
"AO DECIDIR, NÃO PODE O JUIZ COMBINAR LEIS, FORMANDO UMA TERCEIRA LEI."
Sabem quando eu disse isso ao mesmo STJ? Em 2016, ao defender que o prazo de contagem do recurso especial deveria se dar em dias úteis, pouco importando a sua natureza (se criminal ou não), uma vez que o recurso especial todo fora regulado pelo (outrora novo) Código de Processo Civil, para o qual a contagem dos prazos dá-se em dias úteis, e não corridos.
Para mim resta claro que, se fosse a vontade do legislador criar dois prazos distintos, ele assim o teria feito, inclusive com um adendo no próprio capítulo destinado aos recursos especial e extraordinário, no CPC.
A justificativa da negativa tem lá suas bases: o princípio da especialidade, que afirma que uma regra especial derroga uma geral. Sed contra, não enxergo que o recurso especial pertença a este ou aquele ramo do Direito. Ele é genérico, pois se presta a tratar de questões de direito, e não de fato. E o direito, sabemos todos, é transcendente.
Além disso, se há qualquer antinomia derivada da aplicação de leis distintas a um único caso, o princípio "in dubio pro reo" deveria ser observado. Fato é que a manutenção dos dias corridos para o Processo Penal é, em verdade, uma preocupação legislativa para com o réu. Vale dizer, para com a celeridade na tramitação do processo que envolve o segundo engodo humano, digo, o segundo direito humano mais caro, que é a liberdade.
A interpretação que o sistema faz, no sentido de prejudicar o réu em relação aos prazos em dias corridos, demonstra duas coisas: a primeira delas é um ímpeto exacerbado de punir, prejudicar; a segunda, e mais grave, é a incapacidade de ascender à mens legis, ao espírito da lei.
Bem, volvamos, para dar cabo às minhas palavras, ao caso em exame: se, ao decidir, o juiz não pode combinar leis, formando uma terceira, por que pode ele, para prejudicar o réu, usar a regra de contagem de prazos do processo penal em um recurso que fora tratado, em sua integralidade, pelo Código de Processo Civil, cuja contagem de prazo, para a defesa, é mais benéfica ao réu?
Concluo, portanto, apontando a teratologia instaurada: o STJ derivou uma regra da lei natural, formulando uma premissa universal (o juiz não pode combinar leis para formar uma terceira), premissa "universal" essa que ele mesmo aplicará a alguns casos e a outros não.
E ainda há quem entenda a Filosofia do Direito como perda de tempo...
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