Como o abandono do fundamento da metafísica dos costumes culminou na aberrante situação jurídica hodierna
Gostaria de começar este artigo com uma passagem da obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant:
"(...) Uma metafísica dos costumes é, pois, indispensável e necessária (...) porque os próprios costumes estão expostos a toda espécie de corrupção (...) porque o fundamento imoral produzirá por vezes ações conformes com a lei (...)"
Sob essa base filosófica de Kant, a hermenêutica jurídica, em um giro para o caos, adotou o que hoje é chamado de relativismo. Afinal, segundo os incultos, vez que existe a possibilidade de se agir baseado em imoralidade, e, ainda assim, estar conforme à lei, seria este constructo condição suficiente e necessária para que os aplicadores do Direito (leia-se juízes) superassem o texto legal.
Quem assim lê Kant, todavia, esquece-se de estudar o filósofo em sua inteireza, para o qual há, embebecendo as Filosofias Materiais (Física, que cuida das leis da natureza; e Ética, que cuida das leis da liberdade), a Filosofia Formal (Lógica).
Eis o colossal erro do Direito, que acabou produzindo uma comunidade jurídica oca, atingida por um vazio intransponível: o abandono da Filosofia Pura.
Segundo o próprio Kant, esta metafísica pura deve (ria) preceder, não havendo sem ela nenhuma filosofia moral. Sim, é conditio sine qua non à moral o respeito à mais pura das filosofias, qual seja a Lógica. Esta breve passagem do autor já trucida mais de noventa por cento dos" doutores "da" praxis ".
Há, contudo, os ditos" expertos ", que, num exercício de mixagem físico-metafísica, acabam concebendo uma espécie de basis ao corpus pretendido, ou seja, uma explicação, que se pretende filosoficamente coerente, à aplicação de suas vontades.
Destes, Kant corta o pescoço: " (...) aquela filosofia que conjuga esses princípios puros com os empíricos não merece o nome de filosofia - pois o que precisamente distingue esta do conhecimento vulgar da razão é que a filosofia expõe, em ciências separadas, o que o conhecimento vulgar só concebe misto e confundido -, e muito menos ainda o de filosofia moral, porque precisamente com essa mistura dos princípios menoscabava a pureza dos costumes, laborando contra o seu próprio fim (...) ".
Os absurdos produzidos atualmente no ambiente judicial nada mais são que os efeitos de uma viagem que começou com rumo certo, mas acabou se perdendo no caminho: a epoché fenomenológica pretendia o encontro com os objetos inteiramente a priori, a ideia e os princípios de uma vontade pura possível, e acabou emaranhada nas ações e condições do querer humano geral, objeto de estudo da Psicologia. Não é à toa que respeitados juristas hodiernos já escrevem obras de Processo Penal à luz da Psicologia e da Neurociência, levando variantes do humano geral em consideração, como o viés particular do magistrado, a TPM da juíza, o cansaço do julgador para lidar com aquela situação naquele momento, etc.
Portanto, o modo de pensar - e agir - dos aplicadores do Direito, e, por conseguinte, suas decisões, padecem, hoje, de um vazio intransponível; um vazio característico de nossa época; um vazio pela falta de contato com aquilo que é essencial, e que foi relegado, esquecido, abandonado. A virtus fora desvirtuada, e o caminho de volta adjetiva-se, cada vez mais, irrealizável, utópico, impossível.
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