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Foto do escritorCésar Maximiano

Os juízes não são burros



Os juízes não são burros. Ao contrário disso, estudaram, em profundidade, pensamentos alheios, principalmente dos Ministros dos Tribunais Superiores brasileiros e do Tribunal dos quais fazem parte. Não há outro modo de ser aprovado em um certame dificílimo tal qual o de ingresso à magistratura. Por que, então, a maioria deles conspurca o Direito e a Lógica, negando-se veementemente a trazer ao lume as suas bases decisionais?


Posta a questão, utilizar-me-ei do estudo da argumentação apologética para respondê-la.


A apologética é a defesa de que a fé pode ser comprovada pela razão através da arte argumentativa. Nada mais coerente (e carente) ao Direito: tanto as partes quanto o juiz invariavelmente adotam um posicionamento, uma crença, e essa crença é fonte de suas opiniões. O que tem nos faltado no Direito é a arte argumentativa.


Não há problemas em se adotar qualquer dessas crenças. Todavia, a diferença é que, quando tal crença é confrontada a outras crenças, há dois caminhos possíveis para defendê-la: um dos caminhos é a ação, o engajamento, a luta apaixonada de cada um por sua causa, que é traçada por meio da repressão, do terrorismo e da guerra; a outra é a via da discussão, da filosofia.


Tomás de Aquino, por exemplo, ao escolher a ordem dominicana como sua casa, comprometeu-se a combater os hereges, a exemplo dos albigenses, do paganismo em geral e do próprio Islã. Ele percebera que o islamismo expandia-se menos pela vis absoluta, ou seja, pela violência, e mais pela cultura. Assim, Aquino decidiu dedicar-se à luta contra seus inimigos ideológicos pela palavra, pela pregação, pela controvérsia doutrinal, refutando as Cruzadas e a inquisição e adotando a dialética para tanto.


Inauguremos, pois, nossa observação contemporânea. Os juízes têm crenças explícitas? Se sim, quais? Qual dos dois caminhos tem sido usado pelos juízes: o das armas ou o da dialética?


Quando lemos decisões nas quais juízes falam sobre "repressão ao crime", "guerra contra as drogas", contra a corrupção etc., temos aí o indício de duas coisas: a primeira é a existência de uma crença que os baseia, que é o punitivismo; a segunda é o caminho escolhido para lutar pela crença assumida: a guerra, a repressão, o terrorismo contra aquilo que se entende pernicioso.


O punitivismo é, como todo e qualquer "ismo" (marxismo, liberalismo, humanismo, progressismo, cristianismo, budismo), uma crença. Ele se baseia na certeza de que as severas punições a quem conspurca as leis são o único caminho para se garantir a paz; principalmente quando se coloca em xeque a paz de uma determinada e abjeta classe social, que muito possui se comparada às classes menos abastadas.

A guerra é, portanto, declarada: faz-se presente em inúmeras decisões. E, numa guerra, o que menos há é respeito: como o importante é a vitória, os fins justificam os meios. Deste modo, justificada está qualquer intervenção que desrespeite o processo dialético, do qual derivam o contraditório e a ampla defesa. Aliás, o caminho adotado, que é o da guerra e da repressão, não contempla o diálogo, pois este, como já vimos, pertence ao outro caminho.


Quando Tomás de Aquino adota a dialética como método de combate, ele demonstra grande coragem, uma coragem que falta aos juízes da atualidade: dialogar implica pôr em jogo a própria fé. Se a fé estiver amparada pela verdade, o processo dialético funcionar-lhe-á como suplemento, fortalecendo-a. Ao contrário, se estiver aliada ao engodo, ao estratagema, ao sofisma, a dialética exporá suas mazelas.


Por isso é que o apologeta, seguro de sua fé, chama as vozes das fés contrárias para o embate dialético e ideológico. Usa a lógica e a arte da refutação, e, ao final, leva a verdade à superfície da discussão - não através da força, da imposição, da autoridade, mas sim através da lógica e da refutação.


Portanto, reitero: o juiz não é burro. O juiz não é burro ou incompetente ao embasar suas decisões mal e porcamente; também não é burro, nem incompetente, ao deixar de responder aos questionamentos que as partes lhe fazem através dos embargos de declaração. O juiz que assim age sabe, mais do que ninguém, qual é o seu objeto de fé, e onde ele se ampara. Não resta àquele que sabe estar baseado na mentira, no engodo e na superficialidade outro caminho que não seja aquele da repressão, da guerra e do terrorismo.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


VILLEY, Michel. Questões de Tomás de Aquino sobre direito e política. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 75-76.


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